domingo, 17 de junho de 2012

... conheceu Elza Soares


São Paulo, 1º de junho de 2012


Baixei meu primeiro CD de Elza Soares no início de 2012, o Do Coccix até o Pescoço, e fiquei simplesmente apaixonado (por motivos vários que ficarão mais claros no final deste post).

Disso você pode calcular a minha felicidade quando um show dessa mulher praticamente caiu no meu colo. Lembro que era um dia que eu estava indo pro francês, e a Mayara, uma amiga do IAG, me ligou: 

"Rafa, o Tássio viu aqui de um show da Elza Soares. A gente tá saindo daqui pra ir lá comprar. Quer que compre pra você?"

Eu não perguntei preço, eu não perguntei data, eu não perguntei nada. Só disse: "Compra!". A notícia melhora com o tempo, o lugar era bom, o valor era bom, o show foi maravilhoso.







O dia do show foi também dia do aniversário do Tássio. Esperamos ele para comer um bolo no IAG e corremos para o SESC Consolação, onde foi o show. Eu estava bem tenso porque não poderíamos chegar atrasados e chovia em São Paulo. Daí já viu como fica o trânsito né?

O show em si foi um presente. A Elza está bastante debilitada, mal conseguia andar. Tiveram que ajudar ela a andar e a se sentar, e assim ela continuou quase o show inteiro. Mas olha, que voz incrível. Que presença.

Sem muito esforço, conseguimos ser aceitos no camarim dela e aí foi simplesmente LINDÃO. A Elza é uma simpatia: cantou parabéns pro Tássio, cantou comigo uma palhinha de Volta por Cima, conversou com a gente. Aliás, só de nos receber no estado que ela estava já foi incrível.


Presente de aniversário do Tássio.

Meu presente
 
Elzinha e o Renato

"chorei / não procurei esconder todos viram /
fingiram / pena de mim não precisava /
ali onde eu chorei qualquer um chorava /
dar a volta por cima que dei, quero ver quem dava"

Fiquei tão emocionado que escrevi um tributo a Elza Soares, e com ele me despeço:

A história do violão no Brasil muitos devem conhecer. É a trajetória de um instrumento que lá pelos anos 1900s era considerado vulgar e de mau gosto, mas que pela segunda metade do século XX se “enobreceu”, quando alguns caras começaram a tentar trazer o instrumento para a produção artística erudita e esclarecida (alguns caras como, por exemplo, Heitor Villa-Lobos). Em poucos anos, repertórios de violão (música chula e de pobre) foram tomando cara de manifestação popular e, finalmente, foram originando clássicos. Hoje bossa-nova é cult. 
Mas teve uma época em que lugar de violão era na favela. Numa dessas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, nasceu uma preta, filha de violonista, que em poucos anos seria conhecida internacionalmente como Elza Soares. Nossa Elzinha. Leonina, cheia de banca e da malandragem carioca, cresceu soltando pipa e carregando lata d'água na cabeça. Abandonou os estudos pra se casar, perdeu aos 13 anos o primeiro filho, que morreu de fome. E tinha o sonho de cantar. Mas coitada, não sabia nem se vestir. Aos 18 era viúva. 
O resto da história também é bem conhecido. Começou a cantar sob as bençãos de ninguém menos que Ary Barroso. Casou-se com Garrincha após ele ter se divorciado, causando revolta da sociedade brasileira. Foi eleita “cantora do milênio” pela BBC de Londres.
Essa é uma narrativa possível. Uma perfeita saga do herói, do lixo ao luxo. E sim, é uma história belíssima de luta e de conquistas, mas não é bem por isso que admiro tanto Elza Soares. É mais por causa disso, por exemplo:


É porque no clássico “Volta por cima”, Elza chama o rapper Pyroman. É por causa do hip-hop e do eletrônico. Na minha opinião, ela é a artista brasileira que mais soube se reinventar. O funk de Caetano e Gal, olha, até curto, mas não convence. Acho bonito (e difícil, concordo) perceber que a discriminação do funk do morro e do rap são como a do violão. Eles passarão, Elza passarinho. Quiçá ela é o Heitor Villa-Lobos dos nossos tempos. E queira deus que grandes clássicos ainda venham (já devem até estar por aí) brotando das raízes das comunidades.

Elza se reinventou porque ela como poucas sabe o que é Brasil. A resistência é natural num povo reacionário e violento. Mas quando rompe essas barreiras, ôh, deixa a nega gingar! Abre a roda moçada que vai entrar mais um. E o mais lindo é que Elza é boa em tudo: é clássica quando é clássica, e é moderna quando é moderna. 
Desconfio que, pra ela, o amor à música é maior que o apego à estética sonora. Só que ela tem banca pra isso. Pra brincar com clássicos do Jazz (façamos, vamos amar, eu só me ligo em você) e pra fazer o melhor scat que eu já tive a honra de presenciar (Elzinha aprendeu com Louis Armstrong), mas homenagear também o funk e o brega. E trazer um “soft-heavy-metal-abrasileirado” pro seu show, sexta no SESC Consolação. 
Essa mulher pra mim é uma intérprete completa: competente e única, carrega uma paleta de emoções inacreditável. Contextualizada e politizada. Dá valor à sua carne negra (a mais barata do mercado), estica a cara do jeito que tiver vontade, e ai do mané (do Mané?) que achar ruim! Uma simpática senhora e ainda mais simpática quando fala palavrão. Passeia pelo Brasil inteiro e pelo mundo. 
Tocar na mão dessa mulher foi a maior honra, um dos momentos mais altos da minha vida.  
Obrigado a todos os envolvidos.

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